Larga essa câmera e vem viver

“Larga essa câmera e vem brincar”, ele me disse impaciente para me mostrar uma dezena de brinquedos. Lucas, um garotinho de cinco anos, me chamou para brincar. Na verdade, me chamou para vida, me fazendo perceber o quanto se perde quando se está fissurado em fotografar tudo e todos. Muito se perde da vida quando não se quer perder nada. Fotografo, mas não vivo os momentos. Estou lá, mas não estou. Tornei-me uma antagonista da minha própria vida, tudo pela ânsia de registrar os momentos num cartão de memória. A vida passa diante dos meus olhos e, na realidade, eu não vi nada dela.

Deixei a câmera de lado naquela tarde. Eu brinquei, joguei futebol com uma bola novinha, ri e conversei sobre a vida com um garotinho de cinco anos cheios de "por quê?". Tenho meia dúzia de fotos dele brincando de fazer bolinhas de sabão – isso, antes de ele me convidar para brincar de viver intensamente. Daquela tarde de domingo, tenho lembranças que pertencem somente a mim e que poderão até ser esquecidas quando eu for velha. Mas pouco importa, porque o importante mesmo é que eu vivi verdadeiramente aqueles momentos. Eu estava lá de corpo e alma: só eu e ele, sem nenhuma câmera me atrapalhando de viver.

O grande mal da fotografia é que ela vicia, se torna praticamente parte de você. Com isso, você só consegue pensar em fotografar, em fazer uma boa foto. Seus olhos se transformam em caçadores de momentos. Você já não sai mais de casa sem uma câmera, porque espera encontrar algo interessante para fotografar. E a vida vai passando com você preso a uma câmera. Não dá para ser tão negativamente extremista com a Fotografia; afinal, gostamos do que fazemos. Mas a grande questão disto que estou tentando levantar, é que, às vezes, faz muito bem deixar a câmera de lado e observar a vida sem ser através de um visor, sem se preocupar com a abertura do diafragma, ISO ou velocidade do obturador.

Tão importante quanto fotografar é equilibrar a fotografia na vida, saber a hora de simplesmente viver e ser protagonista da sua história. Eu tenho muitos gigabytes de fotografia em momentos com minha família, muitas lembranças que jamais esquecerei porque registrei tudo com uma câmera. Mas, nestas festas, nesses almoços, nesses momentos, era como se eu não estivesse lá. Acabei me escondendo atrás de uma câmera para não perder um só momento. No fundo, perdi todos, porque não participei como pessoa, eu estava lá só como fotógrafa. Também sei que é muito difícil largar o vício de fotografar, mas é preciso ir praticando esse desapego. Às vezes, é preciso largar a câmera e ir brincar, viver, observar tudo ao redor com os olhos. É preciso guardar lembranças que serão exclusivamente suas, como segredos.

Fonte - Facebook